segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O mais discreto dos bailouts


Ao menos aparentemente, a recente queda dos juros italianos de curto prazo deveu-se à operação de empréstimo realizada pelo Banco Central Europeu (BCE) dia 22 de dezembro, a chamada LTRO (long-term refinancing operation). Nesta, o BCE aceitava praticamente qualquer colateral, incluindo as dividas soberanas podres, em troca de Euros, e cobrando juros em torno de 1% por três anos (um haircut (corte) faz com que a taxa efetiva seja levemente superior ao 1% anunciado). Como resultado, os diversos bancos europeus captaram cerca de $500 bi euros, que ficaram depositados no próprio BCE.

Se e verdade que (i) os juros italianos caíram por causa disso, (ii) que o mercado não esta meio louco (e logo voltara a razão), (iii) que não há múltiplos equilíbrios (papo chato de economista), e (iv) que eu estou entendendo o que esta acontecendo, então esta havendo um bailout (salvamento) da Itália por parte do BCE. Como isso é possível, se não houve impressão de moeda para o público, não houve elevação de impostos ou corte de gastos? Dá para fazer parte de uma divida desaparecer assim tão discretamente?

Antes de mais nada, note-se que parte da dívida de fato desapareceu. Os títulos de 2 anos do governo italiano pagavam 6% ao ano, de acordo com os preços no mercado secundário. De repente, passaram a pagar 4%. (No caso dos títulos de 1 ano, a queda foi de 6% para 3%). Supondo há no mercado $400 bi desses títulos (20% da divida), houve o desaparecimento de cerca de $20 bi.

Na verdade, essa conta não está lá muito certa por estar considerando um mundo determinístico. Deixe me mudar para uma analise estocástica, mesmo sabendo que vou perder 90% da audiência. Antes da LTRO, o mercado cobrava 6% ao ano de juros da Itália (por um prazo de dois anos), enquanto somente 0% da Alemanha (pelo mesmo prazo). Supondo que a taxa de haircut, caso haja um calote italiano, seja 50% (para trazer a dívida para 60%) e algumas outras coisinhas (aversão ao risco nula, juros simples em vez de composto, etc.), isso significa que o mercado considerava que havia uns 25% de probabilidade de calote nesse prazo. Daí, por alguma mágica ocorrida recentemente, os demandantes desses títulos passaram a acreditar que a probabilidade deles receberem integralmente seus empréstimos para o Tesouro italiano subiu, de 75% para 85%. O fato dos juros de longo prazo terem permanecido aproximadamente constantes, e bem elevados, não muda esse fato, de que a probabilidade de calote no curto prazo caiu.

A mágica, entendo eu, é que junto com a LTRO o BCE passou a dar sua garantia aos bancos, que eles não irão quebrar (i.e., que serão salvos, se necessário). Ou, alternativamente, que o BCE esta permitindo que bancos que já estariam quebrados no caso de um calote italiano, endividem-se ainda mais, arriscando-se num tudo ou nada (“going for broke”). Em outras palavras, o BCE ira permitir que os bancos europeus comprem títulos soberanos podre em quantidade, inclusive podendo usar para isso os recursos captados recentemente (os 500 bi). Digno de nota, esse comportamento é radicalmente contrário ao que eu esperava, quando escrevi que o BCE não iria permitir esse tipo de ação.

Deixe-me explicar melhor. Suponha um banco bem alavancado e cheio de dívida soberana italiana em seus ativos. Se a Itália der calote, esse banco quebrará (i.e., suas ações virarão pó). O BCE então permite que esse banco duplique sua aposta em títulos italianos, que pagam 4% de juros, emprestando recursos sobre os quais cobra somente 1%. Se a Itália não der calote, o banco ganha 3% sobre toda a aposta adicional. Se der calote, o banco fica sem nada, o que já aconteceria inicialmente, de qualquer maneira. Houve, assim, uma transferência de recursos do BCE para o banco, no sentido estocástico.

O mais bonito é que também esta havendo uma transferência para o Tesouro italiano. Quando o BCE deu esse presente para os bancos, sua demanda por títulos italianos aumentou, e eles acabaram comprando os títulos por um preço mais baixo que o inicial (i.e., houve um deslocamento da curva de demanda para direita). Por isso que os juros caíram.

Caso, no final, não haja calote da Itália, os bancos que compraram essa dívida ganharão uma bolada, e o bailout terá desaparecido, isto é, e como se não tivesse ocorrido. Por outro lado, caso no final a Itália acabe dando calote na sua divida, o BCE vai ter que arcar com esse bailout, quando estiver salvando os bancos. Neste caso, com o calote os juros sobre os títulos soberanos ficarão muito maior (os preços muito menores), e o BCE terá que colocar uma montanha de dinheiro na mesa, para reequilibrar seu balanço. Só nesse momento, e caso isso ocorra, é que a impressão monetária irá ocorrer. 

Eu fico me perguntando, será que a Alemanha (diga-se, os membros passados e atuais do Bundesbank) não notou o que esta acontecendo?

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